Home Working e stress relacionado com o trabalho

Maria João CeitilManaging Director FranklinCovey PT | Head of Integrated Solutions Cegoc

Encontramo-nos num momento histórico muito particular, noqual, em pouco tempo, vimos os métodos de trabalho utilizados até entãointerrompidos. De facto, no contexto da propagação do novo Coronavírus (COVID-19),são muitas as medidas preventivas já adotadas pelas organizaçõespara garantir a todos os seus colaboradores um plano eficaz de Smart Working– com a adoção de novos hábitos de trabalho, aprendizagem e colaboração àdistância, que permitem não só continuar a manter os seus serviços na suaplenitude, como cuidar do bem-estar e da integridade física das suas pessoas.

A gestão da transferência das atividades de trabalho para a casa dos colaboradores não é algo trivial. Num sentido técnico, está até mais próximo do conceito de teletrabalho do que do conceito de trabalho Agile. Isto porque a implementação do trabalho Agile se deu por necessidade, e muito rapidamente, criando coabitações “forçadas” entre diferentes gerações nas casas dos colaboradores (dado o encerramento concomitante de escolas e serviços para cuidado de idosos, por exemplo).

 

 

Um novo fenómeno

Mesmo as organizações habituadas a grandes transformações no seu modelo organizacional, numa lógica mista de digitalização e transferência dos locais de trabalho, sempre o fizeram através de projetos pontuais e/ou iniciativas progressivas. Uma mudança tão abrupta é uma novidade e, tendo em conta a criticidade e incerteza dos tempos atuais, deve ser observada e compreendida a fim de ajudar os colaboradores a superar as dificuldades que experimentam. Este é também umfenómeno que deve ocupar rapidamente o centro das reflexões dos nossos Diretores de RH, nomeadamente ao nível do stress relacionado com o trabalho.

 

Stress relacionado com o trabalho: o que é isso?

Stress é um termo geral usado para explicar uma força aplicada a um sistema. No campo psicológico, é a relação entre um sujeito, com os seus recursos específicos, e as exigências do ambiente que o rodeia. O equilíbrio entre recursos e demandas pode produzir no sujeito uma perceção positiva de sentimento de controlo (eustress) ou negativa, de sofrimento emocional (distress).

O stress relacionado com o trabalho acontece quando este fenómeno tem a sua origem na prática ou no ambiente de trabalho. Este pode tornar-se perigoso, podendo diminuir o nível de desempenho no trabalho e produzir um conjunto de efeitos negativos para o indivíduo (sofrimento individual, ansiedade, ataques de pânico ou comportamentos auto-flagelantes). É de salientar que o stress não é em si uma doença, mas sim uma condição biopsicológica que pode ser superada mas que, se persistir com o tempo, pode desencadear um desconforto permanente.

A regulamentação reconhece a importância da prevençãodeste fenómeno há já algum tempo, vinculando as organizações e instituição àobservação do ambiente de trabalho, para que a avaliação e gestão do risco sejatida em consideração, a fim de proteger a saúde e o bem-estar dos colaboradores.Todos os profissionais de RH estão familiarizados com as várias formas deaplicação do regime de segurança e saúde no trabalho, sendo que a LegislaçãoPortuguesa prevê uma série de orientações para as empresas e empregadores paraavaliar periodicamente os riscos – e portanto, o stress relacionado como trabalho – a fim de monitorar a condição dos seus colaboradores, para detetarindicadores de desconforto e possíveis patologias.

 

Stress relacionado com o trabalho e Home Working

Existem muitas causas para os problemas no local de trabalho: relação com a chefia ou colegas, horário de trabalho excessivo ou volume de trabalho. Seria de pensar que trabalhando a partir de casa muitos destes fatores desapareceriam. Afinal, possuímos um rico conjunto de experiências onde o Home Working ou o Smart Working parecem trazer benefícios consideráveis. Contudo, a situação que estamos a viver é essencialmente uma condição de transferência dos locais de trabalho (muitas vezes mesmo com ferramentas pouco adequadas e estações de trabalho não monitorizadas), algo muito diferente das premissas do método de trabalho Agile.

Devemos então tentar analisar a realidade de forma pragmática com a ajuda de vários estudos recentes. Timothy Golden, do Rensselaer Polytechnic Institute de Nova Iorque, desenvolveu ao longo dos anos numerosos estudos dedicados à saúde psicossocial de colaboradores em diferentes condições de trabalho. Muitos abordam precisamente os efeitos do trabalho realizado nas suas próprias casas e os efeitos na saúde dos colaboradores.

 

Aspetos negativos: quando trabalhar em casa gera mais stress

Algumas evidências demonstram que o trabalho a partir de casa, quando mal gerido e supervisionado pela organização a que pertence, produz um aumento da angústia. O fenómeno é evidente, particularmente quando aqueles que estão em casa também são obrigados a realizar atividades de cuidado familiar naquele que seria “em situações normais” horário de escritório.

Há momentos frequentes de conflito interpessoal e diminuição da produtividade que, por sua vez, geram tensão com os colegas. Verifica-se frequentemente, por exemplo, que os home workers quando trabalham por objetivos e não por tarefas revêm a sua gestão do tempo, trabalhando à noite e reduzindo as suas horas de descanso.

Em geral, a investigação psicológica em contexto detrabalho, desenvolvida nas últimas décadas tanto na Europa como em outroscontinentes, mostra que o teletrabalho (entendido como uma atividade detransferência, o Home Working, que requer ritmos e horários) só épraticável de forma não excessivamente stressante por aqueles que são capazesde criar o seu próprio espaço, sem sofrer interferência das suas famílias einteragindo com elas apenas durante os intervalos. 

O trabalho Agile (também designado de Flexible Working) deixa mais espaço para a compatibilidade com o ambiente doméstico, desde que o profissional tenha a capacidade ou a possibilidade de não confundir os diferentes momentos do dia, evitando multitarefas e, em grupos que envolvam pessoas de diferentes gerações, coordenando os momentos produtivos com os de socialização e cuidado.

 

Trabalho em casa: a perspetiva

O encerramento necessário de escolas e outras instituições formativas e o confinamento domiciliar dos colaboradores, chamados agora a produzir remotamente, resulta num misto de considerações que devem ser analisadas cuidadosamente. A responsabilidade corporativa de proporcionar condições nas quais os trabalhadores tenham uma probabilidade mínima de sofrer danos continua vigente, mesmo em condições incomuns como as que assistimos atualmente. Deve inclusivamente ser fornecida informação adequada: devemos chamar os nossos colaboradores à consciência no sentido de respeitarem as condições adequadas de auto-proteção.

Mas a prevenção do stress no trabalho também requer novas ações de monitorização e, sobretudo, informação e formação intensiva e consistente. Estas medidas são cruciais para que não aconteça uma provável diminuição dos níveis de produtividade e desconforto, combinada com falta de monitorização e perda do sentimento de pertença à organização.

No final desta crise, porém, teremos que considerar soluções para medir o stress vivenciado e formas de debriefing e (re)agregação intra-organizacional que possam ajudar-nos a todos a superar esta situação extraordinária que vivemos.

 

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*Artigo adaptado do original publicado aqui por Alessandro Reati.

Escrito por

Maria João Ceitil

Detentora de uma vasta experiência como Consultora e Formadora nos domínios de Gestão de Recursos Humanos, Gestão da Performance Organizacional e Executive Coach.

Ao nível da formação superior, possui um Mestrado Integrado em Psicologia Clínica pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), um Mestrado em Gestão do Potencial Humano pelo Instituto Superior de Gestão (ISEG) e uma Pós-Graduação em Gestão dos Recursos Humanos, na Perspectiva da Gestão com as Pessoas, pela Universidade Lusófona.

Possui também diversas certificações e formações, nomeadamente a Certificação em Executive Coaching pela Escola Europeia de Coaching de Lisboa, a certificação em Dynamic Coaching pela Go4 Consulting e a Formação Pedagógica Inicial de Formadores pela CEGOC.

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